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Quem nunca ouviu, em uma exposição de arte contemporânea, comentários do tipo: “Isso é arte?”, “Isso qualquer um faz...” ou “Não há nada para ver aí?” Esses comentários costumam expressar um sentimento de desorientação e negação frente às artes visuais, que dificultam o acesso do público não especializado à arte pós-moderna. A falta de conhecimento e as reações de negação da arte por grande parte da sociedade não são novidade alguma. Mas será isso decorrência apenas de desinteresse dessas pessoas em ter acesso à arte? E a classe artística, qual a sua relação e posição quanto a essas inquietações?
Boa parte de nossa população permanece à margem da produção artística contemporânea. Vivemos em uma época em que se discute a inclusão dos menos favorecidos em diversas áreas como a economia, a sociedade, a educação, então por que não nos preocuparmos com a inclusão na arte?
Para a compreensão da arte pós-moderna, por seu caráter simbólico, torna-se necessário para o espectador adquirir conhecimentos prévios de história da arte e de seus signos, dominando um “alfabeto visual”. Conforme Luiz Camillo Osório, com o fim dos parâmetros tradicionais que nos diziam o que era ou não arte e como reagir a ela, a recepção da arte passou a requerer um exercício criativo:
a arte, apesar de atrelada ao visível, àquilo que vemos, não obriga o que sentimos e pensamos diante dela a dar-se a ver por inteiro, e igualmente para todos, na superfície da coisa vista; ou seja, a cada relação com as coisas, a cada vez que percebemos o mundo, levamos para a coisa percebida, sem imaginarmos, vivências, pensamentos, afetos, emoções, exemplos, imagens que estão entranhadas em nossa memória e assim atravessam e informam a nossa percepção.¹
Levando em consideração que vivemos em uma sociedade cujo modo de produção é a prestação de serviços, isto é, o domínio e a troca de informações, não há nada mais coerente do que a reflexão disso na arte ocorrer pela análise da obra a partir de experiências e conhecimentos prévios. Quem quiser ter acesso à arte contemporânea deverá buscar conhecimentos para compreendê-la.
Parte dos artistas encara a dificuldade de recepção da sociedade leiga como algo natural, afinal, quem não se dedicar a estudar a arte e suas significações não tem como ter acesso à fruição. E a não-fruição seria apenas o resultado da falta de interesse do público em conhecer e compreender a arte.
Entretanto, essa questão não é tão simples quando se trata da inclusão de grande parcela leiga da população. O ensino de artes visuais nas escolas muitas vezes é inexpressivo ou nulo e a função educativa dos museus e das bienais de arte, apesar de muito importante e crescente, ainda não é suficiente. O conhecimento concentra-se basicamente nas “academias” ou cursos de arte, o que impossibilita a maior parte da sociedade de ter acesso à arte pós-moderna. Afinal, todos que quiserem ter acesso à arte devem cursar uma faculdade ou academia? Isso não é algo viável para a grande maioria. Então essas pessoas devem mesmo continuar à margem da arte?
Essa pergunta pode até parecer absurda, mas reflete justamente o que acontece. O acesso à arte contemporânea fica restrito a uma pequena elite acadêmica, habilitada a produzir e a fruir obras apenas entre seus pares. Temos um sistema hermético no qual a academia forma os artistas e o público especializado. O mercado de arte exclui o público leigo. Aqui cabe mais uma reflexão: é isso o que queremos, produzir arte para uma restrita elite, enquanto a grande maioria da sociedade permanece excluída desse aspecto da cultura pós-moderna? Há algo que possamos fazer quanto a isso?
Será possível aproximar a arte da população? Não se trata de banalizar a arte, mas de torná-la acessível sem que perca suas qualidades, sem que se torne óbvia, mantendo sua capacidade de suscitar questões, de fazer pensar.
Um caminho é a valorização da educação e da crítica para auxiliar o ingresso do público não especializado no mundo da arte. Também é preciso rever a visão, comum a alguns artistas e teóricos, de que a arte pós-moderna deve servir a um restrito grupo de esclarecidos e de que se produzida fora desse contexto acaba se tornando uma arte menor, de baixa qualidade, onde qualquer tentativa de incluir a sociedade leiga é tomada como uma banalização da arte.
Devemos estimular o questionamento. Não é possível que se encare como natural a maioria das pessoas não terem acesso a um aspecto tão importante de nossa cultura, afinal, vivemos em um mundo que busca o fim das desigualdades, discriminações e exclusões. Por que isso seria diferente na arte?
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