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O erro próprio dos artistas é acreditarem que fariam melhor meditando do que experimentando. (...) É fazendo que se descobre aquilo que se quer fazer. Émile-Auguste Chartier
Parto de uma verdade.
Nunca houve tantos objetos manufaturados, informação, produtos e serviços à disposição da humanidade. Nessa epopéia de desejos de consumo, sentimos o tempo correr na mesma velocidade da tecnologia, sendo impossível que materialmente possamos acompanhar esse movimento. É inegável a necessidade de a arte contemporânea se voltar para o pensamento, distinguindo-se do objeto e de sua materialidade avassaladora. Se considerarmos o promotor da idéia o cérebro, um órgão que possuímos na cabeça, e seu funcionamento, um processo orgânico tal qual o inflar dos pulmões ou o urinar, não haverá neste transporte de ação nada de metafísico ou contrário à condição humana e, conseqüentemente, em discordância com as motivações artísticas.
Obviamente que esse caminho é nitidamente utópico. O grande movimento que a sociedade faz em direção à virtualidade, essa condição super-humana, onde a materialidade não é pertinente e o ambiente físico é substituído por um construto ficcional, parece estar sendo utilizado como um grande tabuleiro de jogo; na rede de informação são criados indivíduos digitais para mediar as relações entre os interlocutores; esses clones virtuais seguramente não emulam com precisão seus criadores e, conseqüentemente, a interação entre as partes é, na maioria das vezes, insatisfatória.
Fora estas questões conceituais, não se pode ignorar também que a criação de novos objetos é um ato de irresponsabilidade, tendo em vista seu alto custo ao meio-ambiente. Comumente se costuma dizer que o impacto ambiental e sensorial de uma obra de arte é de amplitude e qualidade diferente de qualquer outra obra humana: a visualidade seria fruto de uma reflexão pertinente e importante para a condição humana, possuindo assim o direito de existir e o volume de material empregado irrelevante ou desprezível, não causando dano ao ecossistema. Obviamente há um equívoco nesse argumento, pois ao determinar a importância de qualquer obra no conjunto do pensamento, incorpora-se sua manufatura nesta importância e, conseqüentemente, a multiplicação de seu uso.
Porém, mesmo sobrecarregados sensorialmente, com a possibilidade de troca entre indivíduos sem o contato físico e à mercê das conseqüências deste contínuo construir, para a maioria o desejo ainda é o de se fazer material. Plasmar um pensamento é, para a grande maioria dos artistas, o objetivo final de sua pesquisa, descarregar em um objeto tudo que há de mais humano em si e a imaterialidade, a tela branca, o papel intacto, o desafio a superar e que só o será, depois de muito trabalho. Apollinaire resume a importância deste labor no processo artístico: “É pela quantidade de trabalho fornecida pelo artista que medimos o valor de uma obra de arte”.
A questão é, então: diante desse quadro, o artista que trabalha com a materialidade pode executar sua pesquisa e desenvolvimento no campo das artes visuais?
Gravura em metal
Fora as questões apontadas acima, dia-a-dia o custo das matérias-primas para a produção ou construção de obras de arte inflaciona, dificultando e, muitas vezes, impedindo a execução de procedimentos fundamentais para o pleno desenvolvimento do trabalho de arte.
Temos, então, um grande número de artista ou estudantes de arte que restringem suas atividades criadoras, ora por motivos éticos, ora por motivos econômicos, minando assim a estruturação e aprofundamento nas questões pertinentes às suas próprias produções.
Uma das opções que surgem é a reciclagem e o reaproveitamento de materiais e ferramentas, evitando, assim, que novas sejam construídas ou elaboradas. É possível na calcogravura a adaptação de certos procedimentos para reduzir a degradação ambiental e o custo dos materiais, viabilizando, assim, o aumento da produção e o aprofundamento da pesquisa em arte. O uso de chapas de metal reciclado ou reaproveitamento é uma boa dica. Sugiro a experimentação de latas de azeite e tinta, elas podem usadas com percloreto de ferro (solução utilizada para corroer chapas de cobre para confecção de circuitos eletrônicos) e são ótimas matrizes. Como possuem um lado impresso, é desnecessário o isolamento, simplificando os procedimentos. É possível encontrar com facilidade galões de onde podem ser retiradas quatro chapas de 30cmX25 já perfeitamente polidas e lixadas. No caso das de azeite, elas possuem uma película plástica interna que serve para proteger o líquido do contato com o metal. Basta raspá-la para conseguir um efeito de ponta-seca único, após sair do banho de percloreto, basta uma lixa para remover o restante da película. Como essas chapas não possuem uma espessura relevante, criam uma gravura sem muito relevo, um elemento que pode ser muito explorado dentro de uma composição.
Como o material é ferroso, ele tende a oxidar com o tempo, para evitar basta engraxar a chapa e guardá-la dessa forma.
Outro material que pode ser alternativo ao cobre é o flanders, que é a mesma chapa metálica usada para fazer calhas e tapumes de canteiros de obras. É muito fácil adquirir (e até mesmo achar) e tem a vantagem de ser de dimensões maiores e de não sofrer tanta oxidação.
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