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A Cosac & Naify – editora de luxuosos livros de arte – lançou, em 2005, uma coleção fotoportátil composta por seis livros dos artistas Luiz Braga, Cris Bierrenbach, Antonio Saggese, Rosângela Rennó, Eustáquio Neves e Raul Garcez. A intenção, segundo Eder Chiodetto (idealizador do projeto e colaborador da Folha de São Paulo) “não era fazer um livro da vida do fotógrafo nem encadernar seu portifólio. A busca era pelo ensaio”.¹
Fotoportátil de Raul Garcez
O último volume dessa coleção é dedicado a Raul Garcez (1949-1987). Formado em engenharia (Garcez estudou na Escola Politécnica da USP), o fotógrafo participou de dez exposições coletivas e apenas uma individual – montada no Gabinete Fotográfico da Pinacoteca do Estado, em 1980. As imagens dessa exposição – Conjunto Habitacional da Várzea do Carmo – estão agora reunidas no exemplar editado pela Cosac & Naify.
O contato do artista com a Várzea do Carmo deu-se em outubro de 1979, quando ele conheceu um galpão de madeira que a comunidade construía; desde então, ele passou a freqüentar o local um dia por semana, fotografando-o, até abril de 1980.
As fotografias de Raul Garcez desse local são, de certa maneira, silenciosas – em muitos casos mostram os cômodos das casas (cozinhas, salas, quartos) vazios, com suas organizações e utensílios específicos. Outras imagens captam os moradores no seu cotidiano – vê-se uma mulher, por exemplo, contemplativa, assistindo televisão – ao lado de outras fotografias que registram mães com seus filhos, senhores jogando cartas, entre outros. Porém, vale ressaltar que na simplicidade dessas fotografias há uma delicadeza que, ao entrar nesses universos privados, nas casas desses indivíduos, consegue transmitir a rotina e o particular dessas pessoas de forma comovente.
Tendo em vista a sutileza das composições de Raul Garcez e a edição do referido livro, poderíamos nos questionar: o que temos em mãos ultrapassa um livro de arte, podendo ser denominado como um livro de artista? Organizado em forma de sanfona, permitindo assim diferentes leituras da obra, o fotoportátil de Raul Garcez sustenta-se apenas com suas imagens. Dentre trinta e dois planos fotográficos, há apenas dois textos explicativos – um depoimento do artista, sobre a Várzea do Carmo (de outubro de 1980) e um de Ricardo Mendes (pesquisador de história da fotografia no Brasil), O ensaio como meta. Porém, a presença desses pequenos textos não invalidaria o possível enquadramento da obra como um livro de artista. Segundo Paulo Silveira, em A página violada,² um livro de artista se impõe, primeiramente, como objeto visual tátil que pode prescindir da comunicação literária.
Esse autor coloca que até mesmo catálogos de exposições podem ser vistos como livros de artista – isso ocorreria quando o grau de personalização e as soluções gráficas e plásticas envolvidas alcançariam o campo da arte.³ Com ou sem elementos textuais, deve-se ter em vista que um livro é um objeto que permite leituras tanto no nível da percepção quanto do pensamento. O livro de artista, segundo a definição dada pela Grande Enciclopédia Larousse Cultural, corresponde a “uma obra em forma de livro, inteiramente concebida pelo artista e que não se limita a um trabalho de ilustração”. Um empecilho para a leitura do fotoportátil de Raul Garcez como um livro de artista seria o período “inteiramente concebido pelo artista”. Porém, essa questão já sofreu modificações quando admitiu-se que a execução do livro de artista pode ser parcialmente feita pelo artista, podendo esse contar com o apoio interdisciplinar – logo, com uma direção de arte, por exemplo, como é o caso das edições da Cosac & Naify.
Não restam dúvidas quanto ao caráter artístico, e de certa forma poético, que as imagens de Raul Garcez contêm e suscitam. Distribuídas na forma de um livro – cabe ressaltar que um livro pode ser apreendido tanto pelos sentidos, pela nossa percepção, quanto pelo pensamento – acredito que apenas o fato de podermos contar com essas imagens em um volume já é motivo de lisonja. A questão de se esse pequeno volume é ou não um livro de artista não cabe a mim esclarecer, posto que ela levanta muitos questionamentos. Mas a possibilidade está aberta – parece-me mais importante salientar a pequena obra que temos em mãos.
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