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Torna-se urgente uma educação verdadeiramente democrática, que inclua a diversidade cultural. O unilateralismo existente, tratando como superior determinadas culturas e inferiorizando outras, já não responde a tantos conflitos criados por discriminações e preconceitos. Ampliando nosso olhar para o multiculturalismo,1 não valorizando apenas as produções culturais aceitas pelo código dominante, teremos, ao menos, uma chance de democratizar aprendizagens, em meio a tantas diferenças.
A ação educativa envolve além da área pedagógica, a filosófica, a estética e outras, sendo que a social movimenta as concepções na Educação, e, a partir do contexto, a escola reformula pensamentos para atuar no ensino. Nessa área, passamos por diferentes tendências, como a Pedagogia Tradicional, cujo ensino está centrado no professor, o qual cumpre o papel de mero transmissor de conteúdos que são considerados verdades absolutas, sendo que o aluno não tem voz ativa; a Escola Nova, que valoriza a livre expressão do aluno, sua espontaneidade e seus interesses, mostrando-se uma pedagogia experimental, fundamentada na Biologia e Psicologia; e, por fim, a Tecnicista, apresentando uma visão mais mecanicista, em que o foco principal não é o professor nem o aluno, e sim o sistema técnico de organização da aula, em cujo período os recursos audiovisuais apresentaram grande importância, supondo-se uma modernização do ensino.
Nos anos 60 surge Paulo Freire com seu método revolucionário de alfabetização de adultos. Método esse que repercutiu politicamente, pois visava a consciência crítica da sociedade, centrando o ensino no diálogo professor-aluno. Sua pedagogia foi denominada Pedagogia Libertadora, e permanece dinâmica e atual, a partir do momento em que se mostra engajada na luta contra a exclusão social. Ele defende que só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.
A partir daí, muitas pedagogias estão sendo pensadas em direção a um maior posicionamento crítico, frente às diferenças sociais existentes. É a vez de ler e ouvir aqueles que por tanto tempo passaram omissos pela história. E o Ensino de Artes não pode estar dissociado deste contexto social e cultural, não deve estimular o silêncio, omitindo e ignorando manifestações culturais diversas.
A primeira implicação pode formular-se do seguinte modo: do monoculturalismo para o multiculturalismo (...) A questão é, pois: como realizar um diálogo multicultural quando algumas culturas foram reduzidas ao silêncio e as formas de ver e conhecer o mundo se tornaram impronunciáveis? Por outras palavras, como fazer falar o silêncio sem que ele fale necessariamente a linguagem hegemônica que o pretende fazer falar? Estas perguntas constituem um grande desafio ao diálogo multicultural.2
Ensinar Artes contém um risco: o excesso de erudição e academicismo, muitas vezes causa certa cegueira que impede de ver a multiculturalidade existente, focando-se no eurocentrismo, criando preconceitos e classificando Arte Maior e Arte Menor. Existe, também, a tendência, no Ensino de Artes, de trabalhar as manifestações de culturas diferentes, centrando as atividades em datas comemorativas ou tratando o assunto como “temas transversais”. Não seria esta uma forma de exclusão?
Valorizar os diferentes códigos, a variedade de expressão, o pluralismo de manifestações culturais, é obrigação do arte-educador competente. A reflexão sobre qual é a função da Arte-Educação é imprescindível, e essa está diretamente relacionada à concepção que se tem de Arte. Existe Arte Maior e Arte Menor? Ou o que existe é um preconceito e presunção de que Arte “boa” é aquela feita na Europa “branca”? A partir do momento em que se trabalha com o sujeito que lê e aprende, deve-se pensar maneiras de inseri-los no universo artístico. Isso porque este universo não é aquele julgado como Arte Maior, mas como um universo plural e original em suas expressões.
São muitas as diferenças existentes no nosso país: questões de gênero, cor, idade, classe social, religião. Enfim, um pluralismo extenso de culturas, que valem ser contextualizadas e estudadas como arte e não desconsideradas do currículo. Dessa forma, o conceito de Arte pode ser diferente de um grupo para outro. Arte relaciona-se à identidade. O valor estético que um norte-americano dá a sua obra, certamente difere do valor estético dos indígenas, e, nem por isso, uma produção é superior a outra. Assim, não existe leitura de obra ou aprendizagem efetiva em Artes, se não houver uma leitura sobre o lugar, o tempo e a história deste leitor ou aluno. Um Picasso pode ser insignificante a determinadas culturas; em compensação, a arte de trançar e tramar pode ter grande relevância para elas, como por exemplo, a cestaria de Penedodo em Portugal, que, utilizando a junça como material principal, criam obras de valor estético e cultural ricos para sua cultura, tanto que até escolas foram criadas para passar estas práticas a gerações futuras e não deixar morrer a história artística desse povo; outro exemplo é em Jalapão, Tocantins, onde o artesanato com capim dourado sustenta famílias que vivem nos chamados “bolsões de pobreza”. A venda é intensa e valorizada principalmente por turistas estrangeiros. Além do valor estético, outra questão que entra em discussão é a arte da preservação ecológica, pois, devido à grande retirada de capim dourado, comunidade e ambientalistas se viram obrigados a pensar formas alternativas de preservação deste recurso.
A questão é que o código dominante discrimina, classifica e elege o que é Arte, excluindo os “fazeres especiais”,3 e outras expressões que pertencem a diferentes culturas. O Ensino de Artes, relacionado ao aspecto multicultural, é comprometido com a visão, e não com a cegueira. Enxerga além do artisticamente aceito, posiciona-se de forma a refletir e questionar esse tipo de opressão. Como é aceitável enaltecer obras européias sobre o descobrimento do Brasil, que retratam a exterminação indígena, um desmanche pleno da vida e cultura brasileira – e, por outro lado, subjugar a arte indígena?
O momento de um Ensino democrático nas Artes é urgente! É, também, inevitável refletir a função da Arte para que o seu ensino encontre uma identidade: pode ser original, transformadora, libertadora, ou repetidora de valores há muito estipulados pela classe dominante. Ou ainda, aquela disciplina que precisa, para ser legitimada, justificar sua importância frente aos alunos. Ou pior, ser apêndice, a que dá apoio a outras disciplinas. Afinal, que ensino de Artes queremos? A Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, ou aquela que nada questiona? Criatividade frente a tanta diversidade, ou o marasmo da reprodução de códigos estabelecidos?
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